domingo, 1 de maio de 2011

Insônia

Esse texto é de uma colega de profissão, com muito mais experiência que eu, ela consegue relatar de maneira fiel e real, o que é o magistério nos dias atuais...
curte aí, qualquer coisa dá uma passada no blog dela, é so copiar o link:
http://cuspeegiz.bloguepessoal.com/320619/Insonia/

Perdi o sono.

Perdi o sono por causa dos alunos, por causa de Maria, por causa do Governo, por causa das famílias, por causa dos linguistas, por causa dos pedagogos, por causa dos psicólogos e outros afins.

Em aulas de produção de texto aprendemos que é inadequado repetir palavras, mas isto aqui é prosa poética, delírio de professora que perdeu o sono às 3:20h, saiu sorrateira da cama e sentou-se à mesa diante o laptop para resolver um problema (im)pessoal, nacional e quiça mundial - o desinteresse, a necessidade de leitura e a melhoria na qualidade de escrita dos alunos - doce delírio.

Todo professor quer deixar seu lastro, seu rastro, incutir nas cabeças dos alunos não a falsa certeza para servi-los morto, mas a honradez para servi-los à vida.

Mas voltando as repetições...

Por causa de vocês - alunos - perdi o sono, pois preciso estimulá-los, num ambiente sem atrativos, com estratégias sedutoras capazes de transformá-los em leitores ávidos e escritores primorosos (que palavra mais brega!). Eu cá com minhas reticências recordo o ensino de cuspe e giz recebido na década de 60 e 70... Não fiquei traumatizada por decorar os verbos, não me transformei em serial killer devido às preposições, conjunções, ou pronomes, não joguei bomba porque fiquei em segunda época - leia-se recuperação - em Matemática e para compensar alguns deslizes tornei-me professora de Língua Portuguesa.

Por causa de Maria perdi o sono... Em reunião discutiu-se o planejamento, falou-se sobre novas tecnologias e exigiu-se a criatividade, a minha criatividade. Contudo aos 25 de magistério - Classe Especial, Alfabetização e Língua Portuguesa em 2003 - aos 55 de idade, apesar do parco salário (seria um estímulo) e de nenhuma contribuição a somar a minha insônia, vou cutucar meu cérebro, remexer minha imaginação e tentar. Não prometo tornar-me uma mestra em tecnologias educacionais ou transformar meus alunos em escritores machadianos, mas quem sabe torná-los insones, desejosos de conhecimento?!

Por causa do Governo perdi o sono. Descobriram uma fórmula para sermos culposos por nossos salários, se ganho mal é porque não mereço ganhar bem, meus alunos não sabem ler e muito menos escrever corretamente. A culpa é sempre e tão somente do professor - e em especial do professor de Língua Portuguesa - portanto a culpa é minha. Mas os alunos não estudam geografia em espanhol, ou ciências em inglês ou arte em francês, etc. De quem é a culpa? Das promoções automáticas? Do insignificante salário obrigando-me a pular infeliz de escola em escola como macaco insano? Preciso atingir a meta senão não recebo a bonificação ou coisa que vale - vale? Serei crucificada, quase morta, excomungada pelos colegas de outras disciplinas, e para completar meu delírio serei punida em treinamento oficial - feito cão sem pedigree.

Por causa das famílias perdi o sono... Parafraseando nosso amado Drummond, antigamente os pais nos colocavam sentados à mesa para fazermos os exercícios diários, e estudarmos o ponto. Eles valorizavam o professor, jubilavam-se com aprovação de seus filhos para um colégio estadual - de preferência o Instituto de Educação ou o Colégio Militar -. Os pais nos proibiam de brincar com pessoas de má índole, e nos obrigavam a devolver a borracha que não nos pertencia. Antigamente, mesmo em família "desestruturada" o melhor caminho era o ensino, e a melhor opção era a honestidade. Hoje, perco o rebolado ao solicitar a presença de certos pais que entram aos gritos escola adentro ou sentam-se melancólicos diante minha presença. Como dizer ao colérico que seu filho é indisciplinado, ou como exigir participação de um pai melancólico? Também preciso de estímulos! Leia-se: ideias realizáveis, mais computadores em sala ampla, inspetores escolares, apoio pedagógico contínuo e, claro, salários condizentes.

Por causa dos pedagogos, psicólogos, linguistas e outros afins de carteirinha perdi o sono. Alguns, condenam as tarefas diárias, pois há pais analfabetos (mas minha mãe era quase analfabeta), e censuram a conjugação maçante dos verbos, na minha infância era realizada em voz alta, todos uníssonos e a mim provocavam deleite - tantas vozes desconexas, volumosas vozes a recitar os verbos, em volúpias febris! Os afins se revezavam em teorias, houve a turma do não reprova que atrapalha, depois a geração do temos que respeitar o perfil dos nossos alunos, há os doutores do prova não prova nada, e os deixa o aluno construir seu conhecimento. Agora soltaram o competência linguageira. O quê? Competência linguageira?! Nem meu Word aceita! Para justificar ou explicar inventaram o letramento. Ué... Eu não escrevo com letras? Eu não leio as letras? Língua Portuguesa não se escreve com letras? Sei não... Nem a filóloga Bittencourt aceita! Um sujeito foi alfabetizado o outro foi letrado?! Socorro! Ayuda! Help! Aide!

Por mim, por meus companheiros de aflição, por acreditar na capacidade humana de recriar e procurar novas soluções para velhos problemas reafirmo meu juramento - "prometo, como professor, consciente de minhas responsabilidades profissionais, contribuir para o crescimento humano e cultural dos alunos, respeitar as normas e princípios éticos e cumprir as leis do País."

Por meus alunos crio este blogue para expressarmos nossas ideias, trocarmos experiência, interligarmos culturas, denunciarmos abusos, aplaudirmos conquistas, deflagrarmos a bronca, e sermos sempre e eternos estudantes porque a vida é uma aprendizagem.

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